No início de março, o Tribunal Superior Eleitoral publicou as resoluções que contêm novas regras eleitorais, já aplicáveis às eleições de 2024. Antes de as versões finais serem aprovadas pelos ministros da Corte, houve uma consulta pública durante a qual a sociedade civil pôde oferecer sugestões às minutas de resolução elaboradas pela ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do TSE e relatora dos textos. A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul fez sugestões de alteração, supressão e adição de dispositivos à Resolução 23.610/2019, que dispõe sobre a propaganda eleitoral. Por tratar de assuntos sensíveis, como liberdade de expressão e combate à desinformação, a respectiva minuta foi a que teve mais contribuições do público. 

Apesar de conter avanços importantes, o novo regramento gera uma série de preocupações quanto a seus efeitos sobre a liberdade de expressão. A principal diz respeito ao artigo 9º-E, uma novidade que não constava da respectiva minuta. Segundo esse artigo, as plataformas digitais serão solidariamente responsáveis, nas esferas cível e administrativa, “quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral”, em alguns “casos de risco”, como desinformação sobre candidatos e a urna eletrônica, postagens caracterizadoras de crimes contra as instituições democráticas e discurso de ódio.

O novo artigo permite ao menos duas interpretações, o que por si só já é um grave problema, considerando a insegurança jurídica gerada. Por isso, seria importante que, o quanto antes, o próprio TSE se pronunciasse claramente sobre o sentido da nova regra. A interpretação possivelmente mais óbvia é também a mais problemática: o novo dispositivo estaria criando exceções ao regime de responsabilidade das plataformas digitais previsto pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), ao menos durante as eleições. A outra, mesmo sem essas exceções, sugere ao menos a existência de novas e imprecisas hipóteses de restrição à liberdade de expressão.

Antes de explicar por que a alteração do artigo 19 seria problemática e inconstitucional, é importante mostrar a genealogia desse regime de responsabilidade, que remonta ao insulto mais emblemático da história da internet (ou ao principal caso de suposto “conteúdo nocivo” que gerou repercussões jurídicas relevantes). Ele foi feito anonimamente, nem era tão ofensivo e tampouco envolveu famosos – a não ser pelo fato de a pessoa e a empresa a quem se dirigiu estarem no centro da trama retratada em O lobo de Wall Street, filme estrelado por Leonardo Dicaprio, que interpreta Jordan Belfort, um sagaz picareta que enriqueceu enganando clientes de sua corretora de ações.

O caso viria a interferir decisivamente na maneira como a internet existe hoje, pois Belfort entrou com uma ação na Justiça, no início dos anos 1990, contra a Prodigy, empresa de tecnologia que fornecia acesso às salas de bate-papo online onde a corretora e o sócio de Belfort foram ofendidos. O escândalo envolvendo o personagem de DiCaprio ainda não tinha vindo totalmente à tona, e Belfort acabou vencendo a disputa. Segundo a decisão, a Prodigy, para tentar banir pornografia e palavrões, fazia moderação de conteúdo. Então, foi equiparada a um jornal, que edita o que é publicado e, por isso, responde legalmente pelo conteúdo produzido.

O precedente judicial claramente se tornou um incentivo para que as empresas de tecnologia da aurora da internet simplesmente se abstivessem de fazer qualquer tipo de moderação de conteúdo. Do contrário, a boa intenção de sanear o ambiente online poderia ser o gatilho para condenações judiciais.

Ao saber do caso Prodigy, um político aficionado por tecnologia farejou o problema. Cerca de um ano depois, em 1996, após debates com usuários, empresas e congressistas, tornou-se um dos autores da famosa Seção 230 do Communications Decency Act (lei norte-americana criada para tentar evitar o acesso a pornografia por menores de idade), dispositivo legal segundo o qual intermediários não devem ser equiparados a editores, independentemente de fazerem moderação de conteúdo. Surgia então o principal alicerce jurídico sobre o qual, anos depois, plataformas como Facebook, YouTube, TikTok e Amazon ergueriam seus oligopólios.

Esse regime de imunidade dos intermediários foi replicado no mundo todo. No Brasil, como já afirmado, está no artigo 19 do Marco Civil da internet, de 2014: as plataformas só podem ser responsabilizadas se não cumprirem decisões judiciais específicas determinando a remoção de certa postagem.

O próprio Marco Civil, cujo texto foi amplamente debatido, explica a razão de ser do regime: “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. A lógica é simples: se as plataformas pudessem ser responsabilizadas pelos conteúdos produzidos e publicados por terceiros, haveria um forte incentivo para moderarem conteúdo massivamente, uma espécie de ronda ostensiva em todos os cantos de seus espaços digitais. Além disso, a peneira usada nessa filtragem tenderia a ser bastante fina. Na dúvida, melhor remover. Resultado: um número elevado de remoções indevidas de conteúdos lícitos.   

Voltemos então à nova regra do TSE. Segundo sua literalidade, as plataformas passam a ser juridicamente responsáveis quando não promoverem a “indisponibilização imediata” de conteúdos e contas. Mas, assumindo-se que “imediata” tem o sentido de “praticamente ao mesmo tempo”, fica a pergunta: ao mesmo tempo que o quê? O próprio momento de publicação? Ou uma decisão judicial determinando a remoção?

Como o próprio artigo não traz a resposta, surge então a interpretação, talvez mais manifesta, de que implicitamente a regra estaria dispensando a decisão judicial prévia. No entanto, o dispositivo não pode e não deve ser interpretado dessa forma. O silêncio do texto deve ser preenchido com a lei, que, no caso, é o cristalino artigo 19 do MCI. Entendimento contrário é inconstitucional, pois ignora o próprio MCI e a hierarquia normativa entre uma lei produzida pelo Congresso Nacional e uma regra administrativa que apenas regulamenta disposições legais. Não se deve presumir a inconstitucionalidade da regra criada pelo TSE – a não ser que o próprio Tribunal venha a público esclarecer o sentido do novo artigo. 

É verdade que outros trechos da Resolução impõem uma série de novos deveres às plataformas; por exemplo, a adoção de medidas para reduzir ou impedir a circulação de desinformação eleitoral. Mas, como essas disposições não preveem sanções em caso de descumprimento, o artigo 9º-E seria então o mecanismo encontrado pelo TSE para, indiretamente e de forma pouco clara, forçar a observância desses deveres. Ainda assim, essa interpretação continua sendo inaceitável, pelos motivos já expostos e também porque, segundo a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), o Tribunal não pode criar sanções não previstas nessa lei ou restringir direitos.

Também é importante mencionar que uma das novidades da Resolução 23.610 é a inclusão de um dispositivo (artigo 9º-D, parágrafo 1º) que proíbe as plataformas de disponibilizar o serviço de impulsionamento pago para a veiculação de desinformação eleitoral. Isso significa que as plataformas, ao menos quando receberem dinheiro de candidatura ou partido para promover determinada postagem, devem verificar se ela não veicula um “fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado” que possa atingir a integridade eleitoral.

Pois bem, nem mesmo nessa hipótese, quando seria de se esperar que as big tech fossem mais diligentes, o regime de responsabilidade é alterado. Isso porque o artigo 57-B, parágrafo 4º, da Lei das Eleições, em observância ao artigo 19 do MCI, prevê justamente que, em caso de conteúdo impulsionado onerosamente, as plataformas só podem ser responsabilizadas pelos danos decorrentes desse conteúdo caso deixe de removê-lo após ordem judicial específica. E o mesmo dispositivo é replicado na Resolução 23.610 (artigo 28, parágrafo 4º). Portanto, não faria sentido a criação de uma regra geral alterando o regime de responsabilidade (artigo 9º-E da Resolução) e, ao mesmo tempo, outra regra manter o regime em situações em que faria algum sentido demandar maior cuidado das plataformas, já que estão lucrando diretamente com as postagens.

É compreensível o anseio por alterações. Afinal, ao se criarem exceções à imunidade das empresas de tecnologia, o resultado esperado é justamente a redução da circulação de determinados tipos de conteúdo, já que, vislumbrando a possibilidade de serem condenadas pela Justiça ao pagamento de indenizações, as plataformas seriam mais cuidadosas ao moderarem conteúdo, protegendo assim, por exemplo, a integridade do processo eleitoral. É um fim aparentemente legítimo e, à primeira vista, a aplicação do amargo remédio até faz sentido, em que pese o gravíssimo efeito colateral de geração de um estado de coisas policialesco nos espaços digitais. 

Mas é bastante improvável que as big tech tenham capacidade operacional de implementar uma moderação de conteúdo tão intensiva e precisa. Primeiro, porque os algoritmos usados para esse fim são falhos, inclusive com efeitos discriminatórios sobre grupos historicamente marginalizados. As chances de erros em escala são grandes. Segundo, porque aplicar regras jurídicas não é uma operação matemática, com resultados certos ou errados. Se nem mesmo o Judiciário ou os juízes de um colegiado têm respostas únicas sobre determinado assunto, como esperar algo diferente de processos de moderação de conteúdo, sejam eles automatizados ou conduzidos por humanos?

A questão se torna ainda mais sensível porque as hipóteses de restrição à liberdade de expressão criadas pelo TSE (ou seja, as previsões abstratas dos tipos de conteúdo abstratamente proibidos) são bastante vagas, o que torna a aplicação dessas regras ainda mais complexa e, na prática, significa ainda mais poder às plataformas.

Outro problema: ao controlar o fluxo de comunicação em seus espaços virtuais por meio desse tipo de moderação de conteúdo, as plataformas estarão exercendo uma atividade que só cabe ao Judiciário (aplicar regras jurídicas a casos concretos). Assim, além de o Judiciário delegar a poderosos oligopólios a função de julgar quais restrições à liberdade de expressão são admissíveis, surge uma questão de ordem lógica e cronológica: sem decisão judicial que considere uma publicação como ilícita, ainda não há ilicitude. Sem ilicitude, inexistem motivos legais para a publicação ser removida. Se futuramente uma decisão judicial condenar alguma plataforma pelo fato de ela ter deixado de remover algum conteúdo que ainda não era juridicamente ilícito, é como se essa mesma decisão obrigasse retroativamente a empresa a adivinhar qual seria o desfecho de uma disputa judicial que sequer existia. O mais poderoso algoritmo jamais terá essa bola de cristal. 

Além disso, se uma das premissas por trás dos anseios por moderação de conteúdo mais rigorosa e contundente é a percepção de que algumas poucas corporações com muito arsenal econômico e político estão bombardeando e distorcendo o debate público – com implicações no exercício livre e consciente do voto e na própria percepção sobre a legitimidade das eleições –, faz-se contraditório criar uma estratégia que, ao fim e ao cabo, concederá ainda mais poder a essas mesmas corporações. Empresas que, ao controlarem o acesso dos usuários às arenas cívico-digitais, necessariamente adotarão parâmetros econômicos para balizar suas decisões. 

Portanto, se a alteração do regime de responsabilidade das plataformas tem sérias implicações na liberdade de expressão e não pode ser empreendida, segundo a Constituição, por meio de resolução, a única interpretação aceitável do artigo 9º-E é que o artigo 19 do Marco Civil da Internet prevalece intacto em qualquer circunstância.

Ainda assim, outros pontos críticos continuam existindo, pois o artigo 9º-E contém, em seus cinco incisos, novas e abrangentes hipóteses de restrição à liberdade de expressão. Na prática, concedem à própria Justiça Eleitoral o poder de barrar uma quantidade enorme de publicações que não deveriam ser passíveis de remoção. O quadro se torna ainda mais alarmante porque, considerando a capilaridade da Justiça Eleitoral, as novas regras serão aplicadas por milhares de juízes espalhados pelo país, provavelmente sem entendimentos uniformes.

Independentemente da interpretação que se dê ao artigo 9º-E, surgem ainda questões de natureza procedimental. A primeira delas é que, por não estar presente na minuta que resultou na nova resolução, o novo artigo não pôde ser objeto de críticas e discussão durante a consulta e audiências públicas. Além disso, o novo dispositivo não deveria vir ao mundo por meio de resolução do TSE, mas sim por lei elaborada pelo Congresso Nacional. O Parlamento é a arena própria de discussão não apenas porque tem a competência constitucional e a legitimidade para tratar do assunto, mas também porque conta com um processo legislativo que, em tese, garante participação popular e transparência e concretiza a representação democrática. Por mais que o TSE tenha a salutar e louvável iniciativa de promover participação, seus integrantes não foram eleitos e o processo de criação de resoluções é menos inclusivo que o legislativo.

O TSE tem sido o principal fiador da lisura procedimental das eleições, mas, ao usar tão intensamente de sua competência normativa, sua legitimidade pode ser corroída, o que o tornaria mais vulnerável a crises políticas e investidas antidemocráticas. 

Além disso, segundo a jurisprudência internacional, restrições à liberdade de expressão devem ser excepcionais e só admitidas quando observados três critérios: a restrição deve estar prevista em lei (em sentido formal), deve atender a um objetivo legítimo do Direito Internacional dos Direitos Humanos e deve ser necessária para atingir os fins buscados, cumprindo ainda os requisitos de adequação e proporcionalidade. Ainda que se assuma que a proteção da confiabilidade da urna eletrônica, do voto livre e consciente e da paridade de armas eleitoral seja um desses fins legítimos buscados por alguma medida que restrinja a liberdade de expressão, esta não pode ser infligida sem a existência de uma lei com ascendência democrática. E não basta ser qualquer lei: ela deve ser clara, permitindo que as pessoas possam orientar adequadamente suas condutas. As novas hipóteses criadas pelo TSE, mesmo que estivessem em um ato normativo criado pelo Legislativo, dificilmente passariam por esse crivo. 

Também é passível de discussão se a restrição imposta de fato é adequada, necessária e proporcional, ou se, ao contrário, haveria outras saídas possíveis, tão ou mais eficientes, mas com menor grau de intervenção na liberdade de expressão. A complexa resposta não pode perder de vista que fenômenos como desinformação e discurso de ódio durante processos eleitorais têm várias causas e, por isso, demandam a construção de uma política pública holística, por meio de debates públicos, considerações empíricas e normativas e consultas a pesquisadores, tarefa que dificilmente o Judiciário conseguiria empreender.

É por esse motivo que, para a ARTIGO 19, outras perspectivas devem ser consideradas. Sem tirar a importância da atividade de moderação de conteúdo, também é preciso compreender que outra faceta tão ou mais importante das plataformas é a chamada curadoria de conteúdo: o oferecimento aos usuários de um cardápio exclusivo de postagens, elaborado pelos chamados algoritmos de recomendação. A principal diretriz que os guia é a necessidade de captar permanentemente corações e mentes, pois é assim que as plataformas enchem seus cofres, por meio da coleta massiva de dados dos clientes, utilizados então para direcionar propaganda às mesmas pessoas cujos dados foram coletados. Para esse circuito fechado funcionar e ser mais rentável, a dieta oferecida precisa prender o freguês à mesa. Infelizmente, desinformação e discurso de ódio têm sido excelentes petiscos.

Portanto, existe uma relação direta entre o modelo de negócio das plataformas e a disseminação de conteúdos considerados nocivos. Elaborar estratégias que considerem essa variável pode ser mais interessante do que apostar todas as fichas no patrulhamento ostensivo via moderação de conteúdo feita pelas plataformas. Regulação econômica dessas empresas de tecnologia é o principal caminho possível, pois diminuiria a capacidade de pouquíssimas companhias controlar o debate público e levaria a mais diversidade e pluralidade no mercado de ideias. 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da  Organização dos Estados Americanos (OEA),  irá analisar petição apresentada em 2015 pela ARTIGO 19 e pelo Intervozes sobre violações de direitos humanos contra o jornalista sergipano José Cristian Góes. Góes foi condenado a uma pena de prisão de sete meses e 16 dias e ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais em decorrência da publicação em seu blog de uma crônica ficcional intitulada “Eu, o coronel em mim” publicada em maio de 2012.

Em seu texto, escrito em primeira pessoa, José Cristian Góes narra as angústias de um coronel fictício diante da democracia e aborda questões históricas de opressão. Apesar de não mencionar nomes, datas, lugares ou cargos públicos específicos, o desembargador e então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, entendeu que, com a expressão “jagunço das leis”, o jornalista falava dele. Por isso, o desembargador moveu ações judiciais criminais e cíveis contra Góes em novembro de 2012, alegando ofensas às suas imagem e reputação. A pena de prisão foi convertida em prestação de serviços comunitários, e Cristian pagou toda a indenização devida, o que inviabilizou materialmente o exercício de sua profissão nos anos seguintes. 

A situação de vulnerabilidade em que Góes foi colocado se destaca pelos enormes impactos financeiros, profissionais e subjetivos. As condenações fragilizaram a confiança do público na legitimidade das suas publicações, impactando seriamente seu trabalho. Ele ainda precisou desistir de seu doutorado e passou a viver sob diversas restrições de horários de locomoção por motivos de segurança, alterando completamente sua dinâmica de vida. 

O texto pelo qual Cristian foi condenado tratava de temas de interesse público, mas não criticava nenhuma pessoa específica porque era, na verdade, uma crônica. Nesse sentido, ele não possui um viés estritamente informativo, mas sim uma abordagem criativa e interpretativa dos eventos narrados, sendo que as crônicas, enquanto gênero literário, permitem ao autor explorar temas e situações de maneira subjetiva, muitas vezes, mesclando elementos da realidade com elementos fictícios ou interpretativos, ancorados, inclusive, em seu direito à liberdade artística. Portanto, é possível afirmar que o texto de Góes não buscava estritamente relatar fatos de forma objetiva, mas sim oferecer uma visão pessoal e artística sobre os acontecimentos, utilizando recursos literários para expressar ideias, reflexões e críticas de forma mais subjetiva e envolvente. Assim, a natureza ficcional da crônica permite, através de diferentes perspectivas, o estímulo à imaginação do leitor, sem se prender estritamente aos padrões do jornalismo tradicional.

Com a decisão da CIDH, que considerou que a denúncia apresentada pela  ARTIGO 19 e pelo Intervozes cumpria todos os requisitos formais, o Brasil pode ser condenado por ter violado a liberdade de expressão e as garantias relacionadas ao devido processo legal previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Como consequência, o País poderá ter que reparar o jornalista e adotar políticas que garantam a proteção da liberdade de expressão para que casos similares não se repitam. Para a ARTIGO 19 e o Intervozes, o Estado brasileiro deve garantir um ambiente jurídico que proteja e promova a liberdade de expressão, sem ameaças de represálias judiciais por parte daqueles que detêm o poder, uma vez que esse assédio judicial tende a gerar um efeito silenciador e de autocensura que se propaga por toda a sociedade. A inibição da expressão de críticas e do livre pensamento fragiliza a democracia como um todo.

 

Liberdade de expressão e assédio judicial

O caso do jornalista sergipano não é um fato isolado na história recente do Brasil. Em 2022, o jornalista Rubens Valente foi condenado a pagar ao ministro Gilmar Mendes cerca de R$ 310 mil por danos morais pela publicação do livro Operação Banqueiro, reportagem sobre o banqueiro Daniel Dantas, preso em 2008 pela Operação Satiagraha da Polícia Federal. Como parte da punição, impuseram ao jornalista que, em caso de reedição do livro, incluísse a sentença, acompanhada da transcrição integral e fiel da petição inicial do processo, cerca de 200 páginas que impossibilitariam a publicação da obra. Em 2023, a jornalista Schirlei Alves foi condenada a um ano de prisão em regime semiaberto e indenização de R$ 400 mil pela publicação de uma reportagem no The Intercept Brasil que aponta os constrangimentos sofridos por Mariana Ferrer durante o julgamento do homem acusado de estuprá-la. A jornalista foi processada pelo juiz e pelo promotor do caso por ter usado em sua reportagem o termo “estupro culposo” para explicar a tese defendida pelo Ministério Público.

Esse uso de processos judiciais – ou da ameaça de processar – para calar vozes críticas de jornalistas, artistas, comunicadores e movimentos sociais tem sido chamado de assédio judicial, e costuma se caracterizar pela dificuldade no acesso à assistência jurídica, pela falta de acesso à informação sobre os trâmites processuais e pelo corporativismo do Poder Judiciário. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu em diversas ocasiões que o uso do sistema penal para restringir a liberdade de expressão pode violar os padrões internacionais de direitos humanos. Ao comentar o caso de Schirlei Alves, por exemplo, a CIDH indicou que o Sistema Interamericano já reconheceu que não se deve usar a via penal para proteger a honra de funcionários públicos no caso de discursos de interesse público e que sanções civis também têm o potencial de comprometer a vida pessoal e familiar de quem denuncia um agente público.

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul saúda as decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) neste dia histórico, em que o Brasil foi condenado em dois casos de violações de direitos humanos, incluindo liberdade de expressão: a Chacina Castelinho e o assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares.

Em relação ao caso Castelinho – caso liderado pela Defensoria Pública do Estado – a CIDH condenou o Brasil nesta quinta-feira (14/03) por uma operação da Polícia Militar de São Paulo que executou 12 pessoas em uma praça de pedágio da Rodovia José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, entre Sorocaba e Itu (SP). A operação ocorreu em 5 de março de 2002, durante a gestão de Geraldo Alckmin como governador de São Paulo. O link da condenação está disponível aqui: https://www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/cp_14_2024_port.pdf

Os assassinatos resultaram de uma emboscada premeditada e que foi o ponto culminante de uma operação policial que recrutou presos condenados para cooperar ilegalmente com a polícia. Um ônibus em que estavam as vítimas foi interceptado e alvejado por mais de 700 disparos de armas de fogo. Na época, o trabalho da perícia chegou à conclusão de que não houve reação por parte dos mortos, o que levou ao Ministério Público concluir que se tratou de uma execução. Ainda assim, todos os policiais militares envolvidos foram absolvidos.

A operação ocorreu durante a gestão de Geraldo Alckmin como governador de São Paulo e, apesar das violações cometidas, foi saudada por parte da mídia e da sociedade civil, na época, como um grande sucesso na repressão ao crime organizado.  Naquele contexto, as autoridades de segurança do Estado estavam sob pressão e com sua efetividade questionada por uma série de razões, como o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, e uma megarrebelião em presídio paulistas.

A ARTIGO 19 é amicus curiae (“amigo da Corte”) do caso desde 2023, apontando, especialmente, para a histórica falta de transparência na segurança pública, lembrando de casos como a Chacina do Jacarezinho (2021) e Chacina de Nova Brasília (1994). A negação do acesso a informações relacionadas à segurança pública, inclusive sobre o policiamento ostensivo de regiões periferizadas, é uma estratégia de silenciar a sociedade civil e impedir que questione a atuação abusiva de agentes de segurança. 

Em sua decisão, a Corte Interamericana determinou a implementação de medidas que promovam a transparência e a participação na segurança pública e ordenou, por exemplo, que o Brasil crie um Grupo de Trabalho com a finalidade de esclarecer as atuações do GRADI (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) e o envio dos registros de operações policiais que resultem em mortes ou lesões graves de civis aos órgãos de controle interno e externo da polícia do Estado de São Paulo.

A  ARTIGO 19 também destaca que a sentença da Corte Interamericana neste caso representa uma condenação à violência da polícia militar, e foi a segunda no dia de hoje que obrigou o Brasil a reparar vítimas do uso abusivo da força pela polícia. Mais cedo, no marco do caso de Antônio Tavares, liderados por nossos parceiros da Terra de Direitos, Movimento Sem Terra, Justiça Global e Comissão Pastoral da Terra, o Brasil foi responsabilizado pela conduta da polícia do Paraná que, em 2000, causou a morte de Antonio Tavares Pereira e feriu dezenas de outros trabalhadores durante um protesto em defesa da reforma agrária. As duas sentenças também trouxeram uma mensagem clara sobre o dever de o Estado brasileiro suprimir a competência da Justiça Militar de julgar delitos cometidos por militares contra civis.

Para a coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19, Raquel da Cruz Lima, a decisão de hoje da Corte Interamericana enviou um sinal claro sobre a necessidade de modificar a política de segurança pública brasileira “a prática de execuções sumárias e de abusos pela Polícia Militar de São Paulo continua sendo um problema grave, como é possível ver pela Operação Escudo. A Corte enviou uma mensagem contundente de que esse tipo de prática não deve ser aceita e de que os agentes de segurança envolvidos em violações de direitos humanos deverão ser responsabilizados”. 

A ARTIGO 19 espera que as medidas de reparação sejam cumpridas com celeridade pelo Estado brasileiro. De acordo com Raquel, “esse caso oferece uma primeira oportunidade para que o Tribunal de Justiça de São Paulo demonstre a efetividade da sua Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a qual foi criada neste ano com o objetivo garantir a celeridade do cumprimento de decisões do sistema interamericano. Seria muito positivo que esse órgão auxiliasse também a expandir o escopo da sentença da Corte Interamericana e assegurar a reparação de todos os 43 familiares das 12 vítimas fatais do caso”, conclui a coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul.

A ARTIGO 19 manifesta preocupação com a decisão liminar concedida nesta quinta (28/02) pela ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anula o julgamento dos assassinos do jornalista Valério Luiz, morto em 2012.

Em novembro de 2022, os quatro réus acusados de assassinarem o jornalista foram condenados (Marcos Vinícius Pereira Xavier, Ademá Figueiredo Aguiar Filho, Maurício Borges Sampaio e Urbano de Carvalho Malta). Pela decisão da ministra, de caráter provisório, fica anulada a condenação. Esta já tinha demorado dez anos para acontecer, devido a diversas estratégias da defesa dos acusados para protelar o resultado da ação.

A decisão do STJ deu-se no momento em que ocorrem o julgamento das apelações contra a condenação.

A ARTIGO 19 chama a atenção para este movimento de postergar ainda mais o desfecho do caso Valério Luiz, que é tão emblemático ao revelar a impunidade contra assassinatos de jornalistas e comunicadores no Brasil. Exigimos que o Estado brasileiro dê celeridade à responsabilização dos acusados a fim de garantir a proteção e liberdade de expressão de jornalistas e comunicadores e para que casos como o de Valério Luiz não mais se repitam.

Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco, em desfile da Portela (Foto Ana Pessoa/Mídia NINJA)


O carnaval, para além de ser a mais importante manifestação cultural brasileira, é o exercício concreto e sensível de vários direitos conquistados e consagrados. Ele celebra o direito à cidade, à manifestação, à associação e o direito à liberdade de expressão. Como festa pagã e sincrética, afirma o direito à liberdade religiosa sem ser proselitista e, como representação cultural, amplia o espaço cívico para combiná-lo com festividade, criatividade e liberdade artística e cultural.

Aqueles que defendem a liberdade de expressão como instrumento de um extremismo da direita não têm legitimidade ou estatura para condenarem, perseguirem ou assediarem os que se fazem representados em cores, corpos, movimentos, cantos ou ideias vindas dos blocos de rua, desfiles, performances, rodas de samba e tantas outras maneiras de expressar a alegria e a convivência diversa na forma de festa e arte carnavalesca.

O carnaval, nas suas diversas facetas, é político. E essa característica não aparece somente nos debates promovidos através da festa, mas também pela possibilidade de desfrutar uma vida livre de censura de qualquer tipo por parte de pessoas de todas as regiões do País, em suas mais distintas realidades.

Como conta o recém-lançado documentário Enredos da liberdade: o grito do samba pela democracia, durante o momento de maior avanço autoritário (1964-1985), as escolas de samba estiveram profundamente ativas nos debates sobre nossos rumos sociopolíticos. Em seus enredos, ano a ano, criticaram o regime militar – de forma mais ou menos sutil. Essas mesmas agremiações contaram as histórias da redemocratização e da formulação de uma nova Constituição. E, além disso, daquele momento obscuro até hoje, vêm reconstruindo as memórias de um escondido passado de escravização, invasão e violência contra pessoas pretas, pardas, pobres e indígenas. Em todos esses períodos, houve tentativas de reprimir as expressões contidas em alegorias, enredos e fantasias.

Essas expressões políticas carnavalescas não se esgotaram em anos passados. Em 2023, no Rio de Janeiro, a Beija-Flor de Nilópolis entrou na avenida cantando sobre a liberdade de expressão no Brasil, questionando a história oficial da independência do País e apresentando a história do 2 de Julho (Independência do Brasil na Bahia) como um verdadeiro marco, que se tornou possível pela resistência de comunidades negras, indígenas e periféricas. 

Já neste ano, o Salgueiro denunciou a violência contra o povo Yanomami, dizendo que “a chance que nos resta é um Brasil cocar”. No samba-enredo, além de tratar das violações de direitos contra esse povo indígena especificamente, narrou também a violência contra aqueles que defendem seus direitos, citando o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips – assassinados na Região Amazônica em junho de 2022

A Portela, fazendo uma leitura do livro Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, propõe o reencontro de Luísa Mahin com seu filho, Luís Gama. Nessa leitura, faz analogia à separação de mães negras de seus filhos que ocorre ainda hoje, a partir da violência do Estado e da desatenção às favelas e periferias brasileiras, trazendo essas mães no último carro do desfile da escola. 

Em São Paulo, a Vai-Vai reconstruiu a história do Hip Hop no Brasil, contando sobre a associação entre rap, grafitti, pixo, break dance, slam e outros, também denunciando a violência policial e o aprisionamento de pessoas que fazem parte desses movimentos de rua. O desfile trouxe a icônica figura da estátua do bandeirante Borba Gato, alvo de protestos de diversos movimentos de São Paulo nos últimos anos, pichada com palavras de ordem e resistência.

As palavras que vêm da rua incomodam. Logo após o desfile da Vai-Vai, a escola foi acusada de “demonizar” a atividade policial. Na sequência, surgiram pedidos para que a escola fosse punida e acusações de financiamento ilícito da agremiação, em evidente tentativa de criminalização da sua expressão após o incômodo causado pelo enredo. Esse é só um entre tantos outros exemplos que ajudam a entender de que forma as “brincadeiras” carnavalescas são incômodas, uma vez que vociferam e reverberam nacionalmente, de forma bastante gráfica, críticas sociais e denúncias contundentes. E, além disso, esse exemplo mostra como, mesmo após constantes tentativas de repressão, o carnaval segue resistindo como a maior expressão cultural brasileira, construindo e disputando narrativas políticas e temas de interesse público.

Ocupar as ruas é um ato político. O lazer e a folia em espaço público, o exercício do direito à fruição e de produzir e consumir conteúdos culturais diversos também são. É ainda mais relevante o ato de externalizar e amplificar histórias, memórias e narrativas sobre grupos historicamente silenciados no País, como as populações negra, indígena e de tantas outras comunidades tradicionais. A manifestação política através de brincadeiras, danças, marchinhas, cantos e fantasias é das formas mais sublimes de expressão da aliança entre luta social, cultura e expressão estética. É a possibilidade que brasileiras e brasileiros encontram de, lutando por meio da arte, fazer ecoar uma voz esquecida no cotidiano.

A censura, a tentativa de criminalização, o constrangimento e o silenciamento não devem ser permitidos. Há que se proteger o direito expressado no Art. 215 da Constituição Federal também como um direito ao carnaval, uma vez que o entendemos como uma importante possibilidade de exercício da liberdade de expressão, dos direitos à manifestação, à reunião, à cultura; assim como dos direitos relacionados à cidade, ao espaço público e ao lazer de milhares de brasileiros, todos os anos.

O ano de 2024 começou com desafios no que diz respeito à proteção do direito de protesto. Em 10/01, foi organizado no centro da capital paulista ato contra o aumento das tarifas de transporte público, quando 25 jovens, incluindo adolescentes, foram detidos pela Polícia Militar na saída da estação República do Metrô. No dia 18/01, no segundo ato convocado com a mesma agenda, 7 pessoas foram detidas, incluindo advogados identificados com coletes da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Desde o final de 2023, manifestantes já enfrentavam a retomada e o fortalecimento de técnicas de restrição ao direito de protesto, especialmente a partir da truculência das forças policiais do estado de São Paulo. Lembramos, aqui, da manifestação contra a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), ocorrida em dezembro do ano passado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), quando manifestantes foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do estado de São Paulo. (1)

Para além das ações truculentas e da violência contra manifestantes, outras irregularidades e formas de inibir os protestos têm se destacado. Um exemplo é a justificativa dos Policiais Militares para realizar as abordagens durante as manifestações contra o aumento da passagem alegando que os jovens estariam usando blusas pretas, máscaras e mochilas, o que caracterizaria, aos olhos desses agentes de segurança, a tática black bloc, ao ponto de justificar uma averiguação “preventiva”. 

Outro elemento de atenção é a tipificação proposta pelas forças policiais e por membros do Ministério Público paulista: associação criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. O crime de associação criminosa, instituído por meio da Lei 12.850/2013, tem sido sistematicamente utilizado com essa finalidade desde 2013, quando manifestações que, inicialmente, tinham por pauta central o repúdio ao aumento da passagem do transporte público também tomavam as ruas do país. O maior exemplo é a prisão e condenação de 23 pessoas, no Rio de Janeiro, após a participação em protestos entre 2013 e 2014. (2)

O crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito é mais recente: é incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro em 2021, em pacote de dispositivos de proteção do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/21), elaborados também com a finalidade de revogar a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83). Esta última, datada do regime militar, em meados de 2021, estava sendo amplamente mobilizada pelo Governo Bolsonaro para criminalizar e inibir a crítica de vozes dissidentes, que criticavam a gestão da pandemia de Covid-19 associando o então Presidente ao genocídio. (3)

Naquele momento alertamos para  os riscos dessas novas tipificações para movimentos sociais e pessoas exercendo o direito de protesto. Por isso, ainda durante a tramitação no legislativo, foi incluído dispositivo que vedava a aplicação dessa lei em casos de “manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”. Esse artigo, no entanto, foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro. 

Não existindo mais qualquer salvaguarda para essa aplicação, nos encontramos no cenário em que pessoas exercendo seu direito fundamental e humano à manifestação são acusadas de tentarem abolir o Estado Democrático de Direito. Os argumentos para tanto são frágeis: afinal, como algumas dezenas ou centenas de pessoas, reunidas protestando sobre assuntos de interesse local e público, sem planejamento ou tentativa de lesão da integridade física de terceiros, poderiam estar tentando praticar esse ato? 

Nesse sentido, cabe ressaltar que nem a postagem de conteúdos que incentivam a participação em protestos, ou que relatam formas de se defender da violência policial nesses momentos, nem o uso de “vestimentas na cor preta”, “máscaras”, capuzes ou “mochilas” são suficientes para inferir que essas pessoas viriam a praticar violências, crimes ou, ainda, intentar contra o Estado Democrático de Direito — ao contrário do que afirmam os policiais no auto de prisão em flagrante, ao justificar a atuação repressiva preventiva. Mesmo com essas latentes impossibilidades, há operadores do direito endossando a narrativa das forças policiais. E, nessa esteira, pessoas nas ruas pela reivindicação de direitos têm sido criminalizadas e estigmatizadas. 

A ARTIGO 19 expressa profunda preocupação com esse contexto. Isso porque, mais de 10 anos após os episódios de extrema violência policial e criminalização de manifestantes ocorridos durante e após junho de 2013, vemos a repetição de técnicas de inibição de pessoas que defendem e reivindicam direitos, acrescidas de novos elementos que permitem essas violações de direitos. É necessário que o Poder Público — e, em especial, as forças de segurança pública e o Poder Judiciário — atentem para a aplicação indevida das previsões mencionadas, evitando restringir direitos humanos e fundamentais, como são a liberdade de expressão, de manifestação, reunião e protesto.

(Crédito da imagem: Mídia Ninja)

 

 

REFERÊNCIAS

1.ARTIGO 19. Sociedade civil e representantes políticas repudiam a ação violenta da Polícia Militar do estado de São Paulo durante votação na ALESP em defesa do direito à participação e ao protesto. 11 de dezembro de 2023. Disponível em: https://artigo19.org/2023/12/11/sociedade-civil-e-representantes-politicas-repudiam-a-acao-violenta-da-policia-militar-do-estado-de-sao-paulo-durante-votacao-na-alesp-em-defesa-do-direito-a-participacao-e-ao-protesto/ 

2.ARTIGO 19. Condenação de 23 manifestantes é grave para direito à liberdade de expressão. 19 de julho de 2018. Disponível em: https://artigo19.org/2018/07/19/condenacao-de-23-manifestantes-e-grave-para-direito-a-liberdade-de-expressao/

3.Mais informações sobre o uso da LSN pelo governo Bolsonaro e do processo de elaboração e aprovação da Lei 14.197/21 podem ser encontradas em: ARTIGO 19. A institucionalização da violência contra comunicadores no Brasil. 16 de dezembro de 2021. Disponível em: https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2021/12/A-Institucionalizac%CC%A7a%CC%83o-da-viole%CC%82ncia-contra-comunicadores-no-Brasil-compressed.pdf 

 

Realizada pela ARTIGO 19 Brasil e América do Sul em 2023, a campanha #CompartilheInformação #CompartilheEscazú apoiou financeiramente (com doação de R$ 60 mil) e instrucionalmente (através do curso Democracia Ambiental – Uma introdução ao Acordo de Escazú) os 11 grupos de comunicação popular da Coalizão de Mídias Periférica, Favelada, Quilombola e Indígena.

A doação visou a promover a viabilidade do trabalho desses grupos, requerendo, como contrapartida, a participação em, ao menos, 75% das aulas da edição do curso, ministrado em uma edição especial para a campanha. Os grupos tiveram liberdade de investir o dinheiro da forma como preferirem, dando continuidade a seus trabalhos, além de produzirem conteúdo de promoção do Acordo de Escazú.

As produções destacaram sua relevância para a região e a importância de sua ratificação pelo Brasil, combatendo a desinformação sobre ele, bem como informando sobre seu funcionamento e as possibilidades de aplicação do acordo.


Confira abaixo as produções realizadas por alguns dos grupos apoiados
:

PERIFERIA EM MOVIMENTO

 

COLETIVO JOVEM TAPAJÔNICO

 

COLETIVO DE COMUNICAÇÃO DA CONAQ

 

REDE TUMULTO

 

MOJUBÁ MÍDIAS E CONEXÕES

 

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul lança a publicação “Mulheres de Expressão”, que aborda o enfrentamento às violências de gênero contra comunicadoras. A partir de referências bibliográficas e entrevistas feitas nos últimos meses com comunicadoras e integrantes de outras organizações que atuam em prol da liberdade de expressão e imprensa, foi realizado o mapeamento de forma qualitativa da violência que atinge mulheres que atuam na área da comunicação.

No capítulo final, são apresentadas recomendações, de modo que políticas e estratégias de proteção de mulheres comunicadoras possam ser ampliadas e efetivadas diante das realidades apontadas pelas “mulheres de expressão”. CLIQUE AQUI E ACESSE A PUBLICAÇÃO COMPLETA

A participação social e política é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, prevista na Constituição Federal brasileira. Assume tamanha importância por garantir à população a possibilidade de estar ativamente envolvida tanto na elaboração de diagnósticos quanto na construção e na execução de políticas de interesse público.

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul produziu, então, o relatório A participação social para o desenvolvimento inclusivo: uma agenda para a reconstrução dos conselhos nacionais no Brasil, cuja escolha metodológica enfoca os conselhos nacionais que versam sobre temas relacionados aos direitos econômicos e sociais, à liberdade de expressão e ao acesso à informação, à promoção da igualdade, aos direitos socioambientais, às políticas comerciais, às políticas tributárias e à segurança pública. A partir de um estudo de caso sobre as alterações de relevância nos conselhos dessa ordem, o relatório também apresenta recomendações no que diz respeito à reconstrução da participação social no Brasil, especificamente quanto à reconstituição e à garantia de participação plena nos espaços observados.

A participação social é elemento central da agenda de desenvolvimento sustentável, tanto em nível nacional como em nível de cooperação internacional. Assim, a construção de sociedades mais inclusivas é um dos objetivos dos três principais acordos relacionados ao tema, a saber: a Agenda 2030 (A2030), a Agenda de Ação Addis Ababa (AAAA) e o Busan Global Partnership for Effective Cooperation (GPEDC). Nos três acordos, o crescimento e o desenvolvimento inclusivo das sociedades passam, intrinsecamente, pela construção de instituições sólidas, que respeitem e promovam, entre outros, os princípios da transparência e da participação social.

Fortalecer a participação social no Brasil é essencial para o cumprimento dessas agendas e do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Sem dúvida, é tarefa urgente reconstruir as lacunas deixadas na participação social no Brasil nos últimos anos, mas também é necessário avançar em questões que já estavam pendentes para a real garantia desse direito no País. Assim, o relatório visa a contribuir para esse esforço coletivo ao mapear alguns dos impactos concretos da desconstrução dos espaços formais de participação social no Brasil, particularmente, nas políticas públicas vinculadas ao desenvolvimento inclusivo conforme os temas transversais da Agenda de Addis Ababa, que são: proteção social, fome, infraestrutura, trabalho decente, ecossistemas e sociedades inclusivas.

Clique neste link para acessar a publicação.

 

Cerimônia realizada no Ministério de Direitos Humanos nesta segunda (11/12) inaugura a instalação da Mesa de Trabalho para a implementação das medidas cautelares relacionadas aos assassinatos de Dom e Bruno

 

Nesta segunda-feira, 11 de dezembro, ocorreu no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania a cerimônia oficial de instalação da Mesa de Trabalho Conjunta para a implementação das medidas cautelares relacionadas ao caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips. Trata-se de uma iniciativa inédita que reunirá, ao longo de dois anos, representantes do governo brasileiro, da ARTIGO 19 e de outras organizações da sociedade civil, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Três grandes objetivos pautam a Mesa de Trabalho Conjunta: i) garantir o completo esclarecimento dos assassinatos de Bruno e de Dom; ii) garantir a atuação segura de defensores da Terra Indígena Vale do Javari; e iii) implementar medidas estruturais de não repetição do caso.

Os objetivos da Mesa foram negociados ao longo de seis meses e incluem medidas de proteção territorial do Vale do Javari, de acompanhamento das investigações e da responsabilização dos envolvidos nos crimes contra Bruno e Dom, e a proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. Para Maria Tranjan, coordenadora do Programa de Proteção e Participação Democrática da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul, “a Mesa de Trabalho será fundamental para trazer aportes técnicos da Comissão Interamericana para a construção de uma Política Nacional efetiva de Proteção  Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas”. 

De acordo com Raquel da Cruz Lima, coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19, a instalação oficial da Mesa foi uma importante conquista da sociedade civil, que tem cobrado sistematicamente a efetividade da decisão da Comissão Interamericana: “acabamos de completar um ano e meio da adoção das medidas cautelares pela Comissão e ainda existem aspectos de muita urgência que precisam ser enfrentados pelo Brasil. A Comissão reconheceu que há onze pessoas que lutam pela Terra Indígena Vale do Javari que precisam urgentemente de proteção para seguirem realizando seu trabalho sem sofrerem ameaças, assédio ou atos de violência”.

Também faz parte dos objetivos da Mesa a retratação oficial do governo brasileiro em razão da difamação e da promoção de ódio contra Dom e Bruno em 2022. Isso porque o então Presidente e o Vice-Presidente da República fizeram diversas falas públicas culpabilizando-os pelo crime de que foram vítimas e buscando associá-los a atividades ilícitas. Esse pedido oficial de desculpas deve incluir o reconhecimento do papel fundamental dos povos indígenas na busca e localização dos corpos, o reconhecimento do papel fundamental do jornalismo local e da comunicação popular e comunitária em apurar e difundir informações verdadeiras sobre o caso, e o reconhecimento do trabalho fundamental de Dom e Bruno na região.

Essa é a primeira vez que o Brasil cria uma iniciativa especificamente voltada para garantir o cumprimento de uma Medida Cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Para Raísa Cetra, codiretora da ARTIGO 19, “a Mesa de Trabalho Conjunta sinaliza um importante compromisso do Brasil com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o respeito às suas decisões. A Mesa poderá deixar um importante legado para todos os países da região, pela maneira inovadora como pretende garantir a efetividade da decisão de um órgão internacional de direitos humanos”. 

Pressão para ratificação de Escazú

Outro eixo de atividades da Mesa está relacionado à ratificação do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental na América Latina e no Caribe, mais conhecido como Acordo de Escazú. 

Esse Acordo, que põe em prática o Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, prevê a obrigação de os Estados garantirem um entorno seguro e propício para a atuação dos defensores de direitos humanos em matéria ambiental. O Acordo de Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e já foi ratificado por 15 países, incluindo Argentina, Chile, México e Uruguai. O Brasil ainda não ratificou o Acordo. O país assinou o documento em 2018 e o governo federal enviou ao Congresso Nacional em maio de 2023.

 Para Raquel da Cruz Lima, coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19, o Brasil precisa intensificar seus esforços para que o Acordo seja ratificado rapidamente, “pois, enquanto isso não acontece, temos ficado de fora das negociação de aspectos centrais do Acordo, como a criação de um plano de ação regional de proteção de defensores e defensoras de direitos humanos em matéria ambiental. Nossa esperança é que, a partir da Mesa de Trabalho Conjunta, possamos garantir que o Brasil ocupe seu lugar nesse importante espaço de debate da agenda regional de clima e meio ambiente”.

 

ENTENDA O CASO

No dia 05 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira rumavam à Atalaia do Norte (AM) para realização de entrevistas com lideranças e indígenas, mas os dois nunca chegaram ao destino final. 

No dia 10 de junho, a ARTIGO 19 protocolou um pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos para resguardar as vidas e a integridade de Dom Phillips e de Bruno Araújo Pereira. O documento foi assinado também pela Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor) pelo Instituto Tornavoz, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres sem Fronteiras e Washington Brazil Office.

Em 11 de junho de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos adotou medida cautelar relativa à obrigação de garantir a vida e integridade pessoais de Bruno e Dom. Depois de confirmadas suas mortes, a Comissão seguiu no acompanhamento do caso e, em novembro de 2022, a CIDH ampliou as medidas cautelares e estabeleceu que o governo brasileiro deveria (i) proteger onze defensores de direitos humanos ligados à Univaja ameaçados por seu trabalho na região; (ii) esclarecer completamente os assassinatos e responsabilizar os envolvidos; e (iii) adotar de medidas de não repetição dos fatos que deram origem ao caso.

O pedido de ampliação foi uma iniciativa da ARTIGO 19, do Instituto Vladimir Herzog, da Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, da Repórteres sem Fronteiras, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), da TORNAVOZ, do Washington Brazil Office (WBO), da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi). 

Em agosto de 2023, a Comissão divulgou que o governo brasileiro aceitou um pedido dos peticionários de criar uma iniciativa para garantir a implementação da Medida Cautelar. Desde então, a partir do trabalho conjunto e coordenado entre representantes do governo, as organizações peticionárias e a Comissão Interamericana, foi elaborado um plano de trabalho de dois anos, lançado oficialmente no dia 11 de dezembro de 2023.

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